quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Os melhores que não são

Janio de Freitas, na Folha de hoje.
A REGRA GERAL na designação de ministros, em conjunto ou nos casos isolados, indica que os políticos profissionais são os menos convenientes para setores de grandes recursos e relevância programática.
Raros são os casos dos que não sobrepõem interesses pessoais (mesmo que só com o objetivo de sua projeção) e de correntes políticas aos da eficácia do ministério e até do governo.
A regra é a transformação de meios de política de governo em instrumento político-partidário. Com a consequência costumeira das torrentes de nomeações impróprias e, por aí, de abertura do serviço público a variadas formas de corrupção.
Apesar disso, os sistemas político e de governo estão moldados para tornar-se, tanto quanto possível, uma coisa só, com o máximo de infiltração de políticos e seus agentes na administração pública e, como contrapartida, com o domínio das decisões parlamentares pelo governante. O sistema se opõe aos não políticos profissionais, por mais habilitados que sejam, e ao governante que os pretenda em altos cargos.
Por deformações que não são da política, mas de outros vícios também tradicionais, a própria sociedade é levada a admitir e reproduzir, como opinião pública e como eleitorado, a utilização extra dos instrumentos de governo pelos políticos. São estes, por exemplo, se ministros ou ocupantes de altos cargos, os que obtêm mais presença nos meios de comunicação, assim alcançando a projeção que é seu objetivo principal.
Os dedicados apenas à sua função, prontos a expor-se só quando fatos de governo o justifiquem, ficam relegados e sofrem os efeitos dessa distorção de critérios.
Ao caso já citado aqui de José Gomes Temporão no Ministério da Saúde, junta-se o exemplo de Fernando Haddad, com eficiente e modernizadora presença na Educação, e do ainda mais silencioso Miguel Jorge, com sua contribuição na abertura de mercados externos, como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Não há candidato à Presidência, a governo estadual ou a prefeitura que não prometa "governar com os melhores". Dilma Rousseff não abandonou a tradição. E é certo que impôs boas escolhas, a começar de quase todos os que manteve do governo Lula. Mas as presenças comprometedoras e as duvidosas mancham demais o novo ministério, até quando não precisavam fazê-lo tanto.
A indicação de Pedro Novais pela bancada do PMDB já era um despropósito, explicável pela voracidade do "baixo clero" pelas benesses a usurpar do Ministério do Turismo.
Depois de alcançado pela conta do motel pago com "verba indenizatória" da Câmara, a presença de Novais no governo soa a ultraje. Ideli Salvatti está em caso semelhante, com o duplo faturamento contra o dinheiro público. E assim outros quatro ou cinco.
Todos a justificarem a providência que não veio: "limpe a sua ficha, se puder fazê-lo, fora do governo". Nada pode justificar a complacência que mantém tais indicados por interesses políticos.
Por que o prefeito de Sobral como ministro de Portos, o que esperar de Mário Negromonte como ministro de Cidades, e o denunciado Afonso Florence no Desenvolvimento Agrário, e as voltas de Edison Lobão e Alfredo Nascimento? Quanto a Moreira Franco, ministro a pedido de Michel Temer, mas posto em último caso nos Assuntos Estratégicos, foi levada em consideração a frase recém-lembrada de Fernando Henrique: "Esse não pode ficar perto de cofre". Mas a falta de cofre nos AE não limpa fichas.
E, se habilitações duvidosas enfraquecem o ministério, fichas sujas sujam o governo.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Fala Federico Zucceli

“A vida não é trabalho, mas laboratório da mente e somente a mente tem o direito e dever de agitar-se. O negócio nos basta para viver e viver com a companhia do pensamento, entre as nuvens. Sonhar. Mas para sonhar é necessário desprender-se dos laços opressivos e contundentes do comércio, e olhar as estrelas. Como será possível erguer o olhar para o céu, quem tem a tarefa frenética e hiperativa de lucrar e ter os melhores ganhos?”

Leia mais em http://www.pan-horamarte.jor.br/noticia1.html

Lula no Bife Sujo, anos 80

A foto é de Alberto Viana, o bom Baiano, retirada da página dele no FB

De Roosevelt@edu para Lula@gov

Por Elio Gaspari, texto retirado da Folha de hoje.

CARO LULA,
Há oito anos, quando o senhor foi eleito presidente do Brasil, eu lhe mandei uma mensagem torcendo pelo seu sucesso e lembrando-lhe a essência do meu êxito.
Governei os Estados Unidos de 1933 a 1945, ganhei a maior guerra de nossa história, mas de Franklin Roosevelt ficou a lembrança de um presidente que mudou a vida do seu povo, criando uma América onde ninguém ficasse de fora.
O mundo aprendeu que ou haveria capitalismo para todos ou não haveria para ninguém. O senhor fez o mesmo no Brasil. Para quem dizia que seu país era uma Belíndia, o senhor tirou da Índia brasileira o equivalente à população de toda uma Bélgica.
Entre 2003 e 2009, o número de pobres passou de 30,4 milhões para 17 milhões. O desemprego caiu a níveis históricos, e pela primeira vez em muitos anos a maioria dos trabalhadores está no mercado formal. O crédito chegou a casas onde a pobreza era um estigma financeiro. Os plutocratas do seu país compreenderam que o acesso dos pobres aos instrumentos do capitalismo é a garantia de sua longevidade.
De tudo o que o senhor conseguiu, o que mais me comove é o resultado desse programa chamado ProUni, que coloca nas universidades jovens de famílias pobres com bom desempenho escolar. Eu fiz coisa parecida, abrindo o ensino superior para os soldados que voltavam da guerra.
Em cinco anos, o seu programa atendeu 540 mil jovens. O meu matriculou 2,2 milhões entre 1944 e 1949. Inicialmente, pensávamos apenas em proteger os veteranos da guerra. Trinta anos depois, verificou-se que a GI Bill foi um dos fatores determinantes para o surgimento de uma nova classe média.
Quando o Juscelino Kubitschek me contou que a oposição foi à Suprema Corte para destruir seu programa, percebi que o Padre Eterno fez pelo senhor o que fez por mim: presenteou-nos com uma oposição que assegura nosso lugar na história.
Antes de lhe escrever jantei com Getúlio Vargas, JK e Ernesto Geisel. Em graus variáveis, os três torciam pelo seu sucesso. Getúlio e JK invejaram sua capacidade de sobreviver ao mandato e eleger a sucessora.
Já o Geisel teme que esse sucesso traga um risco. Com a experiência de quem foi escolhido pelo antecessor (um general introvertido chamado Médici) e escolheu o sucessor (outro general, não sei se Figueiredo é o nome dele ou do cavalo que monta), pede que lhe avise: cuidado com a turma da copa e cozinha. É de lá que saem as intrigas. Um deles brigou por causa de uma irrelevância na Previdência do Rio Grande do Sul.
Parte de seu sucesso o senhor deve ao professor Cardoso. Não faz bem à sua biografia negar-lhe o crédito. Estive com Ruth, mulher dele, mas não posso contar o que ela me disse a respeito da última campanha eleitoral brasileira.
Senhor Silva, repito o que escrevi em 2002. Pouco temos em comum, eu vim de Harvard e de uma família que já havia dado aos Estados Unidos um presidente (que por pouco não morreu na floresta brasileira). O senhor veio de lugar nenhum. Dizem que fui o traidor da minha classe. Felicito-o por não ter traído a sua.
Despeço-me registrando que a admiração de Eleanor, minha mulher, pelo senhor é muito maior do que a minha.
Parabéns,
Franklin Roosevelt

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Brasil e a América Latina

Isaac Bigio*/Especial para BR Press

(Londres, BR Press) - O Brasil concentra 35% da população e 40% do território da América Latina. No entanto, ainda que os hispano-americanos possam ser identificados como latino-americanos, o mesmo não ocorre com os brasileiros.

Esta percepção me foi confirmada por Leslie Bethell, que é compilador da maior obra de História da América Latina (a da Universidade de Cambridge, composta por 12 volumes e que custa US$ 2 mil), e que hoje reside no Brasil.

Truque francês

O termo “América Latina” foi desenvolvido pelos franceses, nos anos 1860, para justificar sua conquista do México, reafirmando seus direitos sobre a América, que falava uma língua latina e rezava em latim. Segundo Bethell, este conceito foi reconhecido na América Hispânica como um sinônimo desta. No entanto, no Brasil, nunca foi popular, devido a sua diferente origem e evolução.

Entre a América de língua espanhola e a de língua portuguesa há uma grande diferença, que se aprofunda com a invasão francesa à península ibérica, em 1807-1814. Napoleão aprisionou o rei espanhol, o que deu origem a uma guerra civil inter-continental, que levou, entre 1810 e 1825, às independências em quase toda a América hispânica continental e à fundação de repúblicas independentes.

Quando da invasão francesa, a Casa Real portuguesa foi transportada por navios britânicos ao Brasil, pais elevado ao status de Reino (unido ao de Portugal) e sede do império português. Enquanto todos os quatro vice-reinados hispano-americanos se fragmentaram dando origem a 18 instáveis repúblicas, a América portuguesa se manteve unida, estável e sob uma monarquia.

Fico

Enquanto Londres e Washington anexavam muitos territórios hispano-americanos, o Brasil se expandia sobre seus sete vizinhos hispânicos. A “independência” brasileira foi relativamente pacífica e se deu quando um rei, que nasceu e morreu em Portugal (Pedro I) decidiu conservar seu reino contra seu pai, João VI, estabelecido em Lisboa.

A monarquia brasileira manteve a escravidão até 1888, um ano antes de ser derrocada, sendo o Brasil o país que tem mais descendentes de escravos no mundo. Diferentemente, as primeiras repúblicas latino-americanas limitaram e aboliram a escravidão pouco depois que o fez o Haiti, em 1804.

Enquanto os EUA invadiam países hispano-americanos, o Brasil se manteve afastado da disputa. Mais ainda, neste se desenvolveram vários dos mais entusiastas panamericanistas. O Brasil foi o primeiro país que apoiou militarmente os EUA na II Guerra Mundial.

Truque americano

Para Bethell, o Brasil passa a ser considerado parte da “América Latina” depois da citada guerra de 1939-1945 quando, sob esta designação, Washington agrupa toda a parte sul e menos desenvolvida de seu hemisfério.

Nos últimos 16 anos de governo, os presidentes brasileiros Cardoso e Lula voltaram o olhar para seu entorno. Hoje, o Brasil enfatiza muito seu “sul-americanismo” e o bloco que criou não apenas com países hispânicos, mas também com os de língua inglesa e holandesa da região.

Mas, como sugere Bethell, a virada brasileira marca não tanto a reafirmação de uma “América Latina”, mas a de uma América multilingüe, que está ao sul.

(*) Analista de política internacional, Isaac Bigio lecionou na London School of Economics e assina coluna no jornal peruano Diario Correo.